Uma das dúvidas recorrentes das candidatas gestantes que prestam concursos para a área policial ou para cargos que exigem teste físico posterior é sobre a realização do exame de aptidão física numa eventual aprovação nas etapas anteriores dos certame. Pois bem, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito destas à remarcação do teste de aptidão física, independentemente de haver previsão no edital. Assim, grávidas poderão realizar o teste após o nascimento do bebê.
Os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1058333, no qual o Estado do Paraná questionava acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-PR) que garantiu o direito à remarcação a uma candidata que não compareceu ao exame físico, que constituía etapa do certame para o cargo de Policial Militar do Estado do Paraná (PM-PR), em razão da gravidez de 24 semanas. Como o tema debatido no recurso teve a repercussão geral reconhecida, a decisão majoritária tomada nesta quarta-feira (21) pelo STF deverá ser aplicada pelas demais instâncias nos casos semelhantes. Foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral: "É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público".
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luiz Fux, destacou que, diversamente do alegado pelo Estado do Paraná, a decisão do TJ-PR não afrontou o princípio da isonomia entre os candidatos, mas apenas garantiu o direito de pessoa com condições peculiares que necessitava de cuidados especiais. "Por ter o constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar, a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada. Em razão deste amparo constitucional específico, a gravidez não pode causar prejuízo às candidatas, sob pena de malferir os princípios da isonomia e da razoabilidade", afirmou. Para ele, o não reconhecimento desse direito da mulher compromete a autoestima social e a estigmatiza. "O efeito catalizador dessa exclusão é facilmente vislumbrável em uma sociedade marcada pela competitividade. As mulheres têm dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e a galgar postos profissionais de maior prestígio e remuneração. Por consequência, acirra-se a desigualdade econômica, que por si só é motivo de exclusão social", disse Fux.
O relator classificou como incabível equiparar a gravidez a doença ou a razões de força maior que impeça a realização de determinada etapa do concurso público pelos candidatos. "A falta de autonomia física ou as dificuldades no controle do seu próprio corpo repercutem nas condições necessárias para o alcance da autonomia econômica, por isso se revela anti-isonômico criar-se restrições em razão da gravidez. Instituído expressamente como um direito social, a proteção à maternidade impede que a gravidez seja motivo para fundamentar qualquer ato administrativo contrário ao interesse da gestante, ainda mais quando tal ato impõe-lhe grave prejuízo", afirmou.
Para o ministro Fux, o TJ-PR decidiu de forma correta o caso ao assentar que não seria proporcional nem razoável exigir que a candidata colocasse a vida de seu bebê em risco, de forma irresponsável, submetendo-se a teste físico mediante a prática de esforço incompatível com a fase gestacional. O relator também rejeitou o argumento do Estado do Paraná de que a remarcação do teste de aptidão física para gestantes atrasaria a conclusão do concurso público. Segundo ele, a solução é continuar o certame com a reserva do número de vagas para essa situação excepcional. "Se após a realização do teste de aptidão física remarcado, a candidata lograr aprovação e classificação, será empossada. Caso contrário, será empossado o candidato ou candidata remanescente na lista de classificação, em posição imediatamente subsequente", explicou.
Ministro Marco Aurélio diverge da decisão
O ministro Marco Aurélio foi o único a votar pelo provimento do recurso do Estado do Paraná. Para ele, a informação de que o teste não poderia ser remarcado por nenhum motivo estava expressa no edital do concurso para a PM-PR e os candidatos deveriam ter se organizado para o certame, por isso não se pode inflingir ao estado a acusação de discriminatório. O ministro destacou que, ao contrário das doenças graves que impedem um candidato de participar das etapas do concurso, a gravidez, na maioria das vezes, é um projeto da família, não sendo compatível com a inscrição em concurso para policial militar. O ministro citou precedente (RE 630733) no qual o STF entendeu não ser possível admitir a remarcação de prova de aptidão física para data diversa da estabelecida em edital de concurso público em razão de circunstâncias pessoais de candidato, ainda que de caráter fisiológico, como doença temporária devidamente comprovada por atestado médico, salvo se essa possibilidade estiver prevista pelo próprio edital do certame.
O que argumentou o estado
O procurador do Estado do Paraná sustentou que o edital não fazia qualquer discriminação à candidata gestante, que poderia optar por prestar ou não o concurso. Afirmou ainda que é natural que as mulheres abram mão de determinadas opções em sua vida profissional em razão da gestação, que depois podem ser retomadas normalmente. Para ele, exigir que o Estado designe nova data para o teste físico viola o princípio da eficiência administrativa, além de implicar em aumento de custos, sem contar que cada gestante terá uma particularidade, em razão do mês de gestação em que se encontrar. Observou ainda que uma gestação em princípio é previsível e, para quem pretende se candidatar a um concurso público, é possível se programar.
Ao se manifestar pelo desprovimento do recurso, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que a mulher, devido às suas características reprodutivas, muitas vezes fica em desvantagem no mercador de trabalho. Por isso, o Estado deve intervir para restaurar o equilíbrio de interesses que estejam em conflito. Para Dodge, o direito da candidata gestante à remarcação do teste físico em decorrência da gravidez tem amparo na Constituição Federal e nos tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, não se podendo falar em vantagem indevida da candidata ou violação ao princípio da impessoalidade, uma vez que tal prerrogativa deverá ser assegurada a todas as mulheres na mesma situação, não havendo privilégio.
Com informações da Agência de Notícias do STF
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