A Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou relatório na última segunda-feira (15) e identificou pagamentos indevidos no valor de R$ 3,89 bilhões no Programa Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família nos anos de 2021 e 2022. De acordo com a análise realizada durante os meses de janeiro a outubro de 2022, em média, aproximadamente R$ 218 milhões mensais foram pagos a 468 mil famílias que excediam o limite de renda estabelecido pelo Auxílio Brasil.

O Auxílio Brasil, atual Bolsa Família, é pago para quem atende as seguintes condições: renda familiar per capita mensal igual ou inferior à linha de extrema pobreza, que correspondia a R$ 105,00 no ano de 2022; ou renda familiar per capita mensal entre a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza, que variava de R$ 105,01 a R$ 210,00 em 2022, desde que gestantes, nutrizes ou pessoas com até 21 anos incompletos estivessem na composição familiar.

Um montante adicional de R$ 171 milhões foi liberado para aproximadamente 367 mil famílias que deveriam estar bloqueadas ou desligadas do programa devido a questões como trabalho infantil na família ou pendências cadastrais a serem resolvidas.

Levando em consideração a média de integrantes por família no programa, cerca de 2,17 milhões de pessoas receberam indevidamente o benefício durante o período analisado.

Falhas de atualização no Cadastro Único

De acordo com os auditores, uma das possíveis causas do problema reside nas falhas na atualização e verificação do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. O CadÚnico é composto por informações autodeclaradas pelos inscritos e serve como um registro das características socioeconômicas e de identificação das famílias de baixa renda que podem ter acesso a benefícios assistenciais.

O relatório destaca: "Identificaram-se fragilidades nas informações registradas no CadÚnico e a necessidade de aprimorar os procedimentos utilizados pelos gestores para identificar famílias com subdeclaração de renda formal, por meio da validação dessas informações com outras bases de dados governamentais".

Os auditores mencionam que as atividades de revisão e qualificação do cadastro foram interrompidas devido à pandemia de COVID-19, mas também apontam "a falta de utilização das informações de renda registradas em outras bases de dados governamentais".

O cruzamento de informações foi a principal abordagem adotada pelos auditores para detectar irregularidades. Constatou-se que 75% das famílias com rendimentos identificados que não seriam elegíveis para o Auxílio Brasil possuíam membros recebendo benefícios do INSS, enquanto outros 17% constavam nas bases de pagamento do FGTS e informações da Previdência Social.

Cadastros de pessoas falecidas

Um segundo relatório divulgado nesta segunda-feira, 15, revela a extensão dos problemas encontrados no Cadastro Único. A auditoria mostra, por exemplo, que ao cruzar os CPFs registrados no cadastro com a base de dados de óbitos, foram identificadas 1.078.736 pessoas falecidas, mas ainda registradas no sistema.

Quando se trata do cruzamento de informações relacionadas à renda, as disparidades se acentuam. Em uma situação considerada "mais crítica" pelos auditores, 3 milhões de famílias tiveram renda per capita identificada em bases de dados governamentais muito superior ao limite estabelecido pelo cadastro.

"Essa situação evidencia falhas nos registros de renda do Cadastro Único, com impacto direto no cálculo da renda familiar per capita e, consequentemente, na possibilidade de pagamentos indevidos de benefícios sociais, bem como no desenvolvimento de programas sociais e estudos voltados para a análise de alternativas para a superação da situação de vulnerabilidade econômica e social dessa população, além de fragilidades nos controles sob responsabilidade do Ministério", conclui o relatório.

Aumento de famílias unipessoais

Além disso, a auditoria também identificou o aumento significativo no número de famílias compostas por apenas uma pessoa no cadastro. Em um período de apenas um ano, entre outubro de 2021 e outubro de 2022, o número de famílias nesse formato aumentou de 8,58 milhões para 13,91 milhões, representando um crescimento de 62%.

No final do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o fato de que as regras do programa incentivavam declarações falsas de composição familiar, visando obter benefícios financeiros adicionais.

"Os cruzamentos de dados realizados indicam a ocorrência de alterações nas composições familiares dentro do Cadastro Único, destacando-se a tendência crescente de desmembramento de famílias já cadastradas, a redução no tamanho médio das famílias e o aumento no cadastro de novas famílias unipessoais em relação às outras configurações familiares", afirma o documento.

A CGU ressalta que essa situação "tem impacto direto nos pagamentos de benefícios que utilizam a base de dados do Cadastro Único, assim como nos programas sociais e estudos relacionados às famílias de baixa renda, podendo também afetar análises de alternativas para superar a situação de vulnerabilidade econômica e social da população de baixa renda".

Recomendações da CGU

A CGU emitiu nove recomendações ao Ministério do Desenvolvimento Social em relação ao Programa Auxílio Brasil, incluindo a necessidade de investigar a situação das famílias com impedimentos ou que não se enquadravam no público-alvo, adotando medidas de bloqueio, cancelamento e/ou ressarcimento de benefícios, quando necessário.

Em relação ao Cadastro Único, foram feitas 35 recomendações, que incluem a avaliação de cruzamentos automáticos de dados com outras bases, como a Receita Federal, além da aceleração dos processos de revisão e verificação dos dados cadastrais.