Quase três meses após o relançamento do Bolsa Família, programa social que foi um destaque nas gestões petistas, voltou a surgir uma fila de espera. Em maio, 438 mil famílias tiveram seu cadastro aprovado pelo governo, mas não receberam o benefício.

Isso vai contra a expectativa do próprio governo de manter a fila zerada até dezembro, após a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) pelo Congresso Nacional, que injetou R$ 70 bilhões no programa social para este ano, além dos R$ 105 bilhões previstos inicialmente no Orçamento.

Em março, durante a inauguração da nova fase do programa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a fila havia sido zerada.

Lista de espera do Bolsa Família

Logo em janeiro, o presidente Lula de deparou com 498 mil famílias aguardando na lista de espera do programa de transferência de renda. Após os valores adicionais do programa, todas as famílias foram incluídas no Bolsa Família. Porém, a fila voltou a crescer logo depois.

Uma família entra na lista de espera quando seus documentos já foram analisados e aprovados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. Portanto, a fila inclui apenas aqueles que atendem aos requisitos e estão aptos a receber o benefício.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social não esclareceu as razões pelas quais essas famílias não estão sendo incluídas no programa. A pasta divulgou apenas uma nota com uma série de dados, indicando que o prazo médio para a entrada de novos beneficiários é de 70 dias, mais de dois meses. Para "famílias vulneráveis", como indígenas, quilombolas e resgatados de situação análoga à escravidão, o prazo é de 45 dias, segundo o ministério.

Redução de R$ 7 bilhões no orçamento

No mês de março, o Ministério do Planejamento e Orçamento reduziu em R$ 7 bilhões a projeção de gastos com o programa, passando de R$ 175 bilhões para R$ 168 bilhões. Quando isso acontece, os recursos geralmente ficam indisponíveis para uso, pois é comum precisar realocá-los para outras áreas.

O governo atribuiu essa redução ao processo de averiguação e revisão do Cadastro Único de programas sociais. A atualização dos dados permitiu a exclusão de famílias que não têm direito ao benefício. Já em maio, ocorreu uma nova avaliação do Orçamento, e não houve alteração nas despesas.

Um interlocutor do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social disse que a economia de R$ 7 bilhões pode não se confirmar, uma vez que ela reflete apenas a expectativa de exclusão de famílias, sem considerar o fluxo de novos ingressos no programa. O cálculo é atribuído ao Ministério do Planejamento.

O Ministério do Planejamento, chefiado por Simone Tebet (MDB), informou que a estimativa mencionada foi feita pela Secretaria Nacional de Renda da Cidadania (Senarc) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, em nota técnica enviada à Secretaria de Orçamento Federal (SOF).

Em nota, o ministério ressaltou que a estima-se uma despesa de R$ 168 bilhões para o Bolsa Família em 2023, e afirmou que "a projeção é passível de mudança a cada relatório de avaliação bimestral, o que pode acontecer em função do fluxo de entradas e saídas do programa". A nota também menciona o pagamento de um benefício médio de R$ 670 por família, um valor inferior à previsão inicial de R$ 714, que só deve ser atingida em junho, quando o novo desenho do Bolsa Família será implementado integralmente.

Fraudes e exclusões nos cadastros irregulares

Atualmente, o programa atende a 21,2 milhões de famílias, enquanto o Auxílio Brasil tinha uma cobertura de 21,9 milhões de lares. A redução na cobertura é explicada pelo plano do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social de intensificar a busca por fraudes e exclusões daqueles que não têm direito à transferência de renda. A exclusão de cadastros irregulares abriria espaço para aqueles que são elegíveis ao programa, daí a expectativa de manter a fila zerada.

Mesmo com a intenção de excluir as famílias irregulares, os dados revelam que a fila aumentou, chegando próxima ao patamar do início do ano. No entanto, membros do governo afirmam que a previsão de acabar com a espera pelo benefício até o final de 2023 continua em vigor.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, afirma que a revisão dos cadastros, após um grande aumento de concessões durante o período eleitoral, acaba gerando um "certo peso operacional" sobre o programa, sobrecarregando a rede de assistência social que já está passando por um processo de enxugamento e ainda não foi totalmente restabelecida.

Ele também destaca que não é apenas a exclusão de pessoas do programa que representa um desafio para o governo, mas também a seleção criteriosa daqueles que serão incluídos. Neri avalia que o desenho do Bolsa Família melhorou com o foco nas parcelas destinadas a crianças, mas a manutenção do mínimo de R$ 600 por família prejudica sua eficiência e reduz o potencial de redução da pobreza, além de aumentar os custos operacionais.

Cobertura deve diminuir nos próximos meses

Segundo cálculos do governo, o novo Bolsa Família atenderá em média, cerca de 20,8 milhões de residências neste ano. Portanto, é esperado que a cobertura continue a diminuir nos próximos meses, já que em maio foram atendidas 21,2 milhões de famílias.

Durante a transição de governo, a equipe de Lula identificou um dos problemas decorrentes do lançamento do Auxílio Brasil pelo governo Bolsonaro, que foi a explosão no número de cadastros de famílias solo. Isso ocorreu após Bolsonaro estabelecer um valor mínimo a ser pago independentemente do tamanho da família.

Muitas dessas famílias foram incentivadas a se dividir para receber um valor maior. Consequentemente, o número de famílias unipessoais saltou de 2,2 milhões em outubro de 2021 para 5,8 milhões no fim do mandato de Bolsonaro.