A polêmica ação acerca do resgate de 207 pessoas em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves (RS) não para de crescer. Agora, o Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves, afirmou que o assistencialismo que existe no Brasil é um dos culpados pelo que aconteceu na serra gaúcha.

Os trabalhadores que estavam atuando na carga e descarga, e na colheita de uvas da serra do RS, denunciaram maus tratos, incluindo choque elétrico, spray de pimenta, e cassetetes.

Tudo começou no último dia 22 de fevereiro, quando um grupo fugiu de um alojamento e fez uma denúncia. De acordo com os trabalhadores, eles estavam em locais sem condições de higiene, onde sofriam agressões físicas e verbais.

A partir disso, o coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, Henrique Mandagará, disse que a fiscalização apreendeu tasers e tubos de spray de pimenta no local. Além disso, concluiu que a vigilância armada era usada para garantir que tudo ficasse do jeito que o patrão quisesse.

De acordo com o auditor fiscal do trabalho Rafael Zan, "Um cassetete era usado para manter o portão do alojamento aberto, o mesmo cassetete que depois era empregado para bater nos trabalhadores". Segundo a sua interpretação, esse era um jeito do empregado impor a sua disciplina aos trabalhadores.

Quem eram os trabalhadores em situação de escravidão?

Em sua maioria, os trabalhadores foram recrutados na Bahia. Quando contratados, a promessa era que cada trabalhador receberia R$ 4 mil por mês, e boas condições de serviço, como alimentação e alojamento decentes.

Porém, eles já chegaram com dívidas de alimentação e transporte, e no alojamento, eles precisavam comprar produtos com preços superfaturados. Logo, a dívida aumentava, e eles ficavam ainda mais presos aos patrões.

Além disso, a jornada de trabalho ia das 4h às 21h, e os pagamentos estavam todos atrasados. Para piorar, quem não tinha dinheiro, precisava fazer um empréstimo a juros que chegavam a 50% durante a safra de um outro aproveitador para poderem comprar itens de primeira necessidade.

A empresa que escravizou os trabalhadores é a empresa Fênix Serviços de Apoio Administrativo, administrada por Pedro Augusto Oliveira de Santana. Com sede em Bento Gonçalves, a empresa realizava serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, entre outras.

Nota da CIC causa polêmica

Em meio à polêmica de trabalho escravo, a CIC de Bento Gonçalves se manifestou por meio de uma nota que causou um verdadeiro reboliço na internet. Segundo o centro, o fato tem conexão com "a falta de mão de obra e a necessidade de investir em projetos e iniciativas que permitam minimizar este grande problema".

De acordo com os empresários que compõem o CIC, "há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade".

A partir do exposto acima, é possível perceber que na opinião da CIC, o pagamento de benefícios sociais produz pessoas que não trabalham, mas que teriam condições para exercer alguma atividade. Logo, se essas pessoas não recebessem um benefício social, elas iriam trabalhar, e então, não existiria a escravidão denunciada em fevereiro.

Somado a isso, a nota do CIC afirma que "É tempo de trabalhar em projetos e iniciativas que permitam suprir de forma adequada a carência de mão de obra".

Ministério Público do Trabalho reage

Diante da nota da CIC de Bento Gonçalves, Italvar Medina, vice-coordenador da área do Ministério Público do Trabalho reagiu. Medina é o responsável pelo combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. De acordo com Medina, as empresas precisam ofertar oportunidades de trabalho dignas, que respeitem a legislação. "O que, decerto, também atrairia o interesse dos trabalhadores locais para possíveis contratações".

Além disso, Medina afirma que "Elas têm o dever de fiscalizar os contratos e acompanhar o cumprimento dos direitos trabalhistas em sua cadeia produtiva, não podendo assumir uma posição de cegueira deliberada e lucrar fortunas à custa da espoliação e sofrimento alheios".

Para além disso, Medina afirma que as empresas não podem falar que não conheciam as condições de trabalho dos seus terceirizados. Por isso, o Ministério Público do Trabalho deve identificar todos os responsáveis pela situação.

O que é o assistencialismo?

De acordo com a definição do dicionário Aurélio, o assistencialismo é uma:

"doutrina, sistema ou prática (individual, grupal, estatal, social) que preconiza e/ou organiza e presta assistência a membros carentes ou necessitados de uma comunidade, nacional ou mesmo internacional, em detrimento de uma política que os tire da condição de carentes e necessitados".

Mas e no Brasil, o que o assistencialismo significa? Aqui no Brasil, existe uma desigualdade social muito grande: enquanto muitos ganham pouco, poucos ganham muito. A partir disso, é muito comum encontrar pessoas vivendo em favelas, amontados em encostas de morro, passando fome, e sem condições mínimas que garantem a dignidade da vida.

Diante disso, o governo federal criou programas, como o Auxílio Brasil/Bolsa Família, e o Auxílio Gás, que disponibilizam uma renda mensal, para garantir que as famílias possam suprir as suas necessidades mais básicas. Em suma, o dinheiro disponibilizado visa auxiliar na compra de alimentos, no pagamento de contas básicas, entre outras.

Logo, esses programas compõem o assistencialismo no Brasil. E é justamente essa a crítica dos empresários da CIC de Bento Gonçalves: segundo eles, o governo "alimentaria" esse sistema assistencialista. E assim, os brasileiros ficariam dependentes dele, e não buscariam outra fonte de renda.