No dia em que inicia mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o ministro da Economia, Fernando Haddad, voltou a falar sobre a taxa básica de juros da economia brasileira, a Taxa Selic, tecendo críticas ao patamar elevado em que ela está, de 13,75% ao ano.

A fala foi durante uma entrevista à TV Brasil no fim da manhã dessa terça-feira, 21 de março e o ministro abordava o encerramento do encontro "Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI", evento realizado pelo BNDES nessa segunda e terça-feira, dias 20 e 21.

Ainda, quando comentou sobre o programa Desenrola - que servirá para renegociação de dívidas de inadimplentes, Haddad disse:

"Muitas famílias saíram endividadas da pandemia e precisam de um programa extraordinário pra arrumar suas contas e voltar ao mercado de consumo, com crédito...se Deus quiser mais barato do que o atual. Mas, estamos na expectativa de convergência de política fiscal e monetária para que nós possamos utilizar essa gordura de juros elevados em benefício do governo, com baixa inflação", disse

Créditos: Reprodução/TV Brasil
Créditos: Reprodução/TV Brasil

Na entrevista, Haddad defendeu que a sustentabilidade das contas é o mais importante para garantir o desenvolvimento sustentável do país. Ele disse ainda que o atual governo vem trabalhando desde o início para mudar o cenário de taxas de juro baixas e alta tributação e que ele espera que tudo isso se encerre com a aprovação do novo arcabouço fiscal que substitui o atual e que segundo ele "funcionou muito mal".

A ideia é substitui-lo por uma regra mais "inteligente e flexível" e que não ofereça risco para descontrole inflacionário, mas que ao mesmo tempo permita tratar com mais dignidade o cidadão brasileiro.

Taxa de juros está "exageradamente elevada"

Segundo Haddad, o Brasil se encontra hoje em uma situação favorável em relação aos vizinhos e ao resto do mundo.

"Não temos problemas geopolíticos como a Ásia e a Europa têm hoje; a nossa inflação está mais controlada do que no resto mundo; e a nossa taxa de juros está exageradamente elevada, o que significa espaço para cortes no momento em que a economia brasileira pode e deve decolar"

Em sua fala Haddad disse ainda que "não temos porquê temer, no Brasil, tomar as decisões corretas, tanto do ponto de vista do arrcabouço fiscal quanto do ponto de vista monetário, porque há espaço para isso".

Segundo ele, no momento em que essas decisões forem tomadas, o governo terá espaço para trabalhar com mais tranquilidade honrando as promessas de campanha ao mesmo tempo que oferece ao Estado brasileiro uma base fiscal sustentável.

Reforma tributária

A questão da Reforma Tributária também foi abordada ao longo da entrevista. Segundo Haddad, ela será "um choque de eficiência na economia brasileira", não apenas simplificando o sistema tributário, mas trazendo mais clareza aos tributos.

Ele também disse que pretende-se legalizar setores que não estão encadeados do ponto de vista tributário mas que estão encadeados já no ponto de vista econômico. "Isso vai permitir aliquotas menores sobre o consumo", destacou, dizendo que esse sempre foi um dos objetivos do governo atual.

Além disso, Haddad defendeu que a tributação sobre a Indústria já "atingiu o limite do insuportável" e que isso também está sendo considerado. "Ela vem perdendo participação no PIB a cada ano e chegou o momento de o Brasil reverter definitivamente essa curva e voltarmos a produzir produtos manufaturados inclusive para exportação".

A entrevista concedida por Haddad pode ser conferida abaixo:

O novo arcabouço fiscal

Fernando Haddad se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarde da última sexta-feira, 17 de março, para apresentar e discutir os detalhes do novo arcabouço fiscal do governo.

O documento, se aprovado pelo Congresso Nacional, vai substituir a regra do teto de gastos, criada em 2017 pelo então presidente Michel Temer. Na época, a regra tinha como objetivo limitar o crescimento das despesas públicas, porque o país passava por uma recessão marcada pela crise fiscal e vinha gastando mais do que arrecadava.

Chamado à epoca de "novo regime fiscal", a Emenda Constitucional teria vigência de 20 anos, mas poderia ser revista a partir de 2026, ou seja, a ideia inicial era de que o teto congelaria os gastos públicos por, pelo menos, dez anos.

A questão é que durante o governo de Jair Bolsonaro a norma foi desrespeitada em várias ocasiões e em agosto do ano passado, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a admitir que o Executivo furou o teto.

Além disso, desde a campanha eleitoral, Lula defendia a substituição da regra do teto de gastos e já informava que pretendia fazer essa mudança se eleito. Para o petista a norma prejudicou os investimentos reais do país nos últimos anos, causando prejuízos em áreas como infraestrutura, educação e saúde.

O que muda?

Na regra usada atualmente, os gastos públicos são atualizados pela inflação acumulada entre junho de um ano e o mesmo mês do ano anterior e essa deverá ser uma das principais mudanças.

A ideia é que a partir da nova regra, o período de apuração passe a ser janeiro a dezembro do ano anterior.

Com essa mudança e considerando uma atualização retroativa de 2017 a 2020, o teto de gastos previsto para o ano que vem saltaria para R$ 1,644 trilhão. Isto é, R$ 35 bilhões a mais do que estava previsto.

Entre as principais consequências dessa mudança é que se ela for vista com bons olhos pelo mercado, como estão prevendo os integrantes do governo, ela vai dar mais estabilidade fiscal ao país e assim a Taxa Selic poderá ser reduzida com mais segurança também.

Reunião do Copom inicia nessa terça-feira, dia 21

Nessa terça-feira, dia 21, está tendo início mais uma reunião do Copom. Será a segunda de 2023 e no encontro o comitê que é formado por diretores do Banco Central, deverá tomar uma nova decisão sobre a Taxa Selic.

Os encontros acontecem a cada 45 dias, em média. O último foi em 31 de janeiro e 1º de fevereiro e apróxima está prevista para os dias 2 e 3 de maio.

A perspectiva do mercado é de que até o final de 2023 a taxa Selic seja reduzida para 12,75% ao ano, ou seja, em 1 ponto percentual. Mas essa diminuição deve começar a acontecer mais para frente.

Segundo o próprio Copom divulgou, na ata da última reunião, deve-se perseverar a taxa Selic até que se consolide não apenas o processo de desinflação, mas também a possibilidade de que as metas de inflação atendam expectativas.

As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 5,95% e 4,11%, respectivamente.

As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência situam-se em 5,6% para 2023 e 3,4% para 2024.

O que é a Selic?

O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) é um sistema do mercado financeiro brasileiro administrado pelo Banco Central do Brasil, que se destina à custódia dos títulos do Tesouro Nacional, bem como ao registro e à liquidação de operações com esses títulos.

Basicamente, a Selic é a taxa básica de juros da economia brasileira. Como tal, ela impacta todos os demais juros do país, bem como as taxas de empréstimos, financiamentos e investimentos. Hoje ela está em 13,75% ao ano. No patamar mais baixo, em meados de 2020, ela chegou a estar em 2%.

Essa recente elevação da Selic teve como objetivo conter a inflação que chegou a ser de mais de 10% em 2021. Ao elevar a taxa de juros brasileira, o BC faz com que haja uma diminuição dos gastos, as pessoas optam por segurar mais o dinheiro já que os juros estão altos.

Impasse entre governo federal e BC

Porém, agora, sob o ponto de vista do Governo Federal a Selic já deveria ter começado a baixar novamente para voltar a aquecer a economia brasileira. Esse é o impasse que vem se apresentando entre Lula/Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que vêm trocando farpas eventualmente.

Recentemente Lula chegou a dizer que vai esperar o fim do mandato de Campos Neto para avaliar a independência do Banco Central. Há alguns anos, quando Lula foi presidente pela primeira vez, a direção do BC era composta por indicações políticas e por isso, as decisões sempre seguiam a linha de pensamento e atuação do presidente da República.

Atualmente, porém, os nomes indicados para o órgão precisam ser aprovados pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e o funcionamento do órgão está mais baseado em ciência econômica, ou seja, as decisões levam menos em consideração os aspectos políticos. É isso que Lula pretende rever.

O mandato de Campos Neto termina em 31 de dezembro de 2024, conforme o decreto de nomeação publicado no Diário Oficial da União em abril de 2021. O documento determina que a presidência do BC tenha mandato de 4 anos não coincidentes com o mandato de presidente.