A partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), um tema que tem ganhado destaque é com relação às decisões do presidente Jair Bolsonaro (PL), principalmente no que tange o tal sigilo de 100 anos para os atos e informações pessoais de integrantes do governo.

Durante a sua campanha, muitas vezes Lula disse que iria revogar as decisões logo no primeiro dia do novo governo. De acordo com Lula, em uma de suas redes sociais, "No primeiro dia de governo, nós vamos fazer um decreto para acabar com o sigilo de 100 anos. O povo deve ver o que estão escondendo".

Dentre os atos que Bolsonaro impôs sigilo, por exemplo, estão o cartão de vacina do presidente. Além disso, há o processo sobre a participação do ex-ministro da Saúde e general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello, em uma manifestação no Rio de Janeiro.

Abaixo, entenda o que é e quando foi criado o sigilo de 100 anos, e saiba como ele funciona.

Quando o sigilo de 100 anos foi criado?

O sigilo de 100 anos está presente na Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela foi apresentada pelo Governo Lula, e sancionada em novembro de 2011, durante a gestão da Presidente Dilma Rousseff (PT). Na ocasião, o governo desejava acabar com o sigilo eterno de documentos públicos.

A LAI criou alguns critérios para enquadrar diferentes tipos de informações governamentais sensíveis em prazos diferentes de sigilo (5, 15, e 25 anos), que não fossem mais o prazo eterno. Além disso, a lei criou um sigilo para parte que não valeria aos atos públicos, mas para informações pessoais.

Como funciona o sigilo de 100 anos?

Segundo a norma, estão protegidos por 100 anos todas as informações caracterizadas como pessoais, relativas, por exemplo, à intimidade, vida privada, honra e imagem de um cidadão.

A lei estima que todo conteúdo classificado como pessoal tem acesso restrito a partir da data de sua produção. Sendo assim, apenas os agentes públicos legalmente autorizados, e o próprio cidadão ao qual o documento ou informação trata, podem acessar.

É possível derrubar o sigilo de 100 anos?

Em suma, a restrição de 100 anos pode ser derrubada, caso haja uma previsão legal, ou o consentimento expresso do cidadão ao qual o documento ou informação trata.

De acordo com o Artigo 31, § 3º, da Lei Nº 12.527, é possível romper o sigilo caso as informações sejam vistas como importantes ou necessárias, nestas situações:

I - à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

III - ao cumprimento de ordem judicial;

IV - à defesa de direitos humanos; ou

V - à proteção do interesse público e geral preponderante.

Além disso, a Lei de Acesso à Informação cita que esse tipo de restrição não poderá ser usada com o "intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância".

Por que Bolsonaro usou o sigilo de 100 anos?

Quando questionados sobre pedidos de informação via LAI, os órgãos vinculados ao governo federal negaram o acesso aos conteúdos, conforma a classificação de informação pessoal, e impondo o sigilo de 100 anos, em casos como:

  • o cartão de vacinação de Jair Bolsonaro;
  • informações sobre visitas e acessos ao Palácio do Planalto;
  • processo disciplinar contra Eduardo Pazuello.

Lula poderá expor o que Bolsonaro colocou sigilo de 100 anos?

De acordo com especialistas, para cumprir a promessa de campanha, Lula pode determinar a revisão das classificações adotadas por ministérios e órgãos do governo federal a uma comissão.

Enquanto isso, o diretor-fundador do Data Privacy Brasil, Bruno Bioni, diz que o tema só poderá ser enfrentado através de uma atualização da lei:

"Um novo decreto poderia ter um sistema de escalonamento para interpretação do artigo que trata das informações pessoais, estipulando parâmetros até chegar nas situações máximas de 100 anos. Poderia também prever novas regras sobre controle social sobre informações classificadas, revertendo um processo de assimetrias de poder nos pedidos de desclassificação", disse Bioni.

Por fim, há quem defenda uma alteração completa através de um projeto de lei para reformar a LAI.

O que mais a lei prevê como sigiloso?

A LAI estipula que os órgãos de governo possuem uma escala para classificar as informações. E isso, influencia no acesso e na divulgação dos conteúdos. Ao avaliar o teor e os riscos da publicidade das informações, o órgão pode classificar o conteúdo como:

  • ultrassecreto (prazo de restrição de 25 anos);
  • secreto (prazo de restrição de 15 anos);
  • ou reservado (prazo de restrição de 5 anos).

Quando esses prazos se encerram, a informação é colocada de forma automática para o acesso público. Ademais, os documentos e informações classificadas como ultrassecretas podem ainda sofrer uma renovação de igual período.

De acordo com a LAI, para determinar a restrição é necessário que o conteúdo atenda a critérios. Como por exemplo: pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional, prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do Brasil, ou ainda pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população.

Por fim, a lei ainda estima que as informações que "puderem colocar em risco a segurança do presidente e vice-presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas". O sigilo seguirá até o término do mandato.